Gostos Discutem-se

Arquitectura tradicional Transmontana – séc. XVIII
Arquitectura tradicional Transmontana – séc. XVIII
Construção em Trás-os – Montes – séc. XXI
Construção em Trás-os-Montes – séc. XXI

A arquitectura entra no domínio da arte quando se liberta do exclusivo utilitarista e se converte, através da sua significação simbólica, em testemunho social do seu tempo. Distingue-se de mera construção porque edificar envolve essencialmente prática construtiva material enquanto arquitectura envolve o conhecimento do lugar e sua história, envolve planeamento e composição, reinterpretando o acto de construir numa ordem de representação intelectual. Na arquitectura o útil passa a belo.

Uma obra de arquitectura para além da utilidade e conveniência prática cumpre objectivos de afectividade e de pertença e motiva sentimentos de harmonia. A  arquitectura não se fica pelo valor do utilitarismo ou pela resposta prática a uma necessidade sentida envolve desejos e significações mentais e intelectuais, afectivas e éticas, ideológicas e de beleza. Valores de identificação universal, comunitários e do ser. Ser que se pretende livre. A arquitectura não é assim uma questão de juízo de gostos é, sobretudo, uma questão de juízo de valores. A arquitectura julga-se pelos seus significados.

A arquitectura ou a não arquitectura que hoje se produz e a forma como substituímos ou preservamos a arquitectura que no foi legada, representa-nos como sociedade e será o nosso testemunho no futuro. Tal como a arquitectura que herdamos do passado é testemunho daqueles que, com as suas condições, bem mais difíceis que as nossas, procuraram edificar o belo, explorando ao máximo os meios disponíveis, atingindo muitas vezes o sublime.

A sujeição da construção actual a significados efémeros e contraditórios, recorrendo a formas mal dominadas de estilos do passado, a tiques pseudomodernistas e ornatos pantomineiros, é contrária à história. As obras do passado mostram-nos que cada geração teve o seu modo de pensar e os seus anseios, as suas concepções, a sua estética, apelando sempre à totalidade dos recursos técnicos conquistados, expondo sempre com clareza a nobreza da função de cada elemento. Cada coluna foi erguida para cumprimento da sua primordial função estrutural com racionalidade e simultânea harmonia estrutural e formal.

Copiar modelos de um passado que não se domina é condenar-se ao engano e mentira, é adoptar o falso como princípio construtivo, aplicando técnicas actuais a formas prescritas, que apenas conduzem a simulacros despojados de qualquer verdade. Quando se mistura o verdadeiro com o falso  descredibilizam-se os testemunhos que desejaríamos preservar para a correcta interpretação do que fomos e somos.

Quando, em resultado de ignorância ou arrogância, substituímos o dever de preservar, restaurar, conservar e reutilizar os valores da nossa herança patrimonial e memória colectiva, pela sua demolição e posterior reedificação, copiando servilmente o original destruído, está a erigir-se uma fraude, com desprezo para as capacidades técnicas e construtivas contemporâneas, atenta-se contra o sagrado, o encanto, a magia, a harmonia, a beleza e espírito dos lugares. Em síntese: mente-se. Não havendo verdade não há arquitectura e sem verdade não há beleza.

Adelino José Rosa Rodrigues, Arq.